Diante de tudo que estamos vivendo atualmente no Brasil depois do Golpe
de Estado de 2016, a força estudantil é prioritária para derrubar esse governo
ilegítimo. Nos anos 60 e 70, a história mostra o quanto valeu a garra dos
secundaristas e universitários, todos coordenados pela UNE.
Os estudantes com muita raça deixaram os generais e os golpistas encurralados. Nossas armas eram panfletos, os discursos inflamados e a mobilização das
grandes passeatas.
O importante era retomar o pais das mãos da direita selvagem que destruía o Brasil e restabelecer a democracia. Naquela época, não havia muita facilidade de comunicação. Poucos
possuíam telefone em suas casas nem era possível sonhar com os benefícios das
redes sociais.
Hoje com mais de 60 anos, lembro com orgulho a minha
contribuição para derrubar a ditadura. Vale a pena contar. Talvez, essa
leitura seja do interesse de muita gente.
MOTIVAÇÃO E IDEOLOGIA
No final do mês de outubro de 1967, acabávamos de tomar posse como a
diretoria eleita do Grêmio Olavo Bilac, no Colégio Estadual Edgard Santos,
quando a greve geral dos estudantes foi decretada pela UNE. Era um
desafio muito nítido ao governo.
Mobilizamos o colégio e conseguimos uma adesão de quase 100% do turno
matutino e vespertino, o noturno era mais complicado. Muitos trabalhavam
durante o dia.
Pela primeira vez a farda do Edgard Santos se misturava na grande
passeata que partiu do Campo Grande em direção a Praça da Sé onde as grandes
lideranças fariam discursos incendiários.
Estávamos excitados e ao mesmo tempo amedrontados. Um calafrio percorria
nossos corpos a cada minuto. Naquele momento, havia na mente apenas o desejo de
protestar, não sentíamos o perigo a nossa volta na dimensão real. Éramos
extremamente corajosos, jovens e inconsequentes.
Fomos informados que devíamos seguir pelo corredor da Vitória até o
restaurante Universitário, onde algumas lideranças se aglomeravam e juntos,
protestariam contra o fechamento do restaurante estudantil. Seguimos aquela
indicação como uma massa de pessoas que já nem pensa. Estávamos prontos para a
batalha em qualquer lugar.
Nos discursos inflamados de algumas lideranças Universitárias, fomos
informados da impossibilidade do grande final ser na Praça da Sé. Seguimos em
frente. A polícia estava bloqueando a Rua da Ajuda e Rua Chile. O grande
comício estava sendo transferido para o terminal da Barroquinha. A passeata foi
iniciada com as palavras de ordem “Abaixo a Ditadura” e “O povo unido jamais
será vencido”.
Foi emocionante. Boa parte das pessoas que encontrávamos pelo caminho,
aplaudia demonstrando apoio. Alguns até se juntavam a nós e outros ficavam apenas
olhando enquanto muitos se escondiam. Logo depois do Relógio de São Pedro,
escutamos o ruído dos cascos de cavalos. Era a policia que se aproximava
lentamente. Eles estavam chegando de maneira ameaçadora. Cavalgavam no sentido
contrário.
O confronto estava muito próximo, mas inesperadamente, vários estudantes
jogaram bolinhas de gude na rua e os cavalos começaram a cair derrubando os
soldados. Um deles ao levantar, atirou para o alto e outro mirou nos
estudantes que rapidamente se jogaram no chão sobre o passeio ao lado do
mosteiro de São Bento. Foi uma rajada rápida e por sorte apenas na direção da
parede. Os farelos do reboco caíram sobre nossas cabeças.
Com o tempo, ficamos mais velhos e prudentes. Não acredito que numa
situação como a que foi narrada anteriormente, eu fosse agir da mesma maneira
impetuosa e sem planejamento como aos 14 anos. No entanto, admito que ainda
arda em mim, uma lembrança da chama do guerrilheiro sonhador e completamente
dedicado ao que acredita e tem como inegociável na sua conduta ideológica.
Por algum tempo, mantive meu envolvimento estudantil numa atividade que
variava de acordo com as oportunidades. No entanto, ao que me parece, ser fiel
a uma ideologia não é coisa muito fácil. Algumas vezes me sinto um completo
“OTÁRIO”. Essa sensação não dura muito, me sinto apenas HONESTO. Onde estavam
os incendiários lideres do movimento estudantil depois de alguns anos?
Não julguem, apenas entendam. Quase todos eles foram cuidar da própria
vida. Por serem oriundos de famílias tradicionais ou abastadas, muitos se tornaram
homens de negocio. Alguns se candidataram a cargos no legislativo e foram
eleitos, logo depois eles foram se revelando. Passaram a defender tudo aquilo
que antes rejeitavam nos seus discursos.
Existe uma explicação para essa reviravolta ideológica?
Acredito que tudo isso é possível ser entendido quando pensamos na
maneira que eles surgiram como lideranças. O movimento na época era abandonado
pelos partidos que não injetavam um conhecimento teórico para a juventude.
Algumas dessas lideranças, na verdade, eram pessoas insufladas pela própria
ditadura para agitarem as massas e em seguida assumirem o controle evitando
desdobramentos indesejáveis e revolucionários.
Mesmo diante desse equivoco ideológico, não desmerecemos a importância
inesperada que os discursos produziram. Muitos que apenas escutavam passaram a
ter um motivo para se aprofundarem nos estudos teóricos e decidirem
ideologicamente pelo socialismo. Isso não era um efeito que os militares
acreditavam se tornar possível.
A militância estudantil nas escolas é bem diferente do que ocorre nas
universidades, mais pura e trôpega. No entanto, ainda é uma fonte de águas
límpidas onde se pode saciar a sede sem medo de contaminações. Manter essa
fonte sempre limpa, embora oferecendo espaço para que muitos se aproximem dela,
buscando corretamente o aprendizado. Devemos encarar essa oportunidade como a
mais segura e verdadeira maneira de criar a liderança autentica e estimular a
militância ideológica.
Lamento muito que os partidos de esquerda nem de direita, não tenham um
olhar atencioso para esse lado, ela nem sempre é levada muito a serio.
Como surgem essas lideranças? O que eles almejam?
Quase sempre são crianças que nem imaginam por onde seguirão. Aparecem
como se fossem sugados por uma força invisível da necessidade do momento. São
envolvidas por grupos de amigos que geralmente também nem sabem ao certo onde
estão entrando. Os motivos são inúmeros, por ser um jovem bonito que faz
sucesso com as meninas, um pensador prudente que encontra soluções ou até mesmo
por ser apenas amigo de todos.
Eles ainda não projetam sonhos, mas eles são mordidos pelo bicho chamado
poder e alguns entendem logo o que isso significa. Poucos são os que prosseguem
nessa jornada de maneira consciente e desejada. São assustados pelos mecanismos
do medo, que seus familiares herdaram.
Lembro bem do escutei ao ser eleito para a diretoria do grêmio Olavo
Bilac. Minha mãe muito seria se mostrou preocupada.
- Você não devia se meter com essas coisas! Pode ser preso!
- Tenho de lutar para ajudar a derrubar essa ditadura! - Respondi
vaidoso.
- Política é coisa ruim, todo mundo é ladrão ou acaba muito mal! – Ela
lamentou me prevenindo. – Lembre-se que seu tio foi um dos que acabaram mal!
Assim, quase todos os que se arriscam na militância, mesmo que seja
apenas participativa durante um movimento especifico, ainda hoje, escutam a
mesma coisa. O que fez com que as pessoas passassem a se esquivar ou temessem tanto o
envolvimento político?
MEDO HISTÓRICO
Para nossa sorte, a elite dominante no Brasil não é criativa. Até hoje
faz o mesmo jogo para intimidar pessoas comuns de se aproximarem do poder, de
protestarem contra as imposições sociais e políticas que só aos ricos e
poderosos interessam. Eles querem o povo ignorante e fácil de iludir.
Existe um fato narrado sobre um jantar muito elegante num palacete em
Petrópolis onde o Imperador Pedro II estava presente. Dizem que um barão ou
qualquer coisa assim se aproximou e ao escutar Pedro falar com entusiasmo sobre
os seus planos culturais se mostrou preocupado.
- Queira me perdoar por discordar desses projetos. São perigosos!
- Não acredito nisso! – Disse o Imperador. – Onde está o perigo?
- Se esse povo aprende a ler, fica sabendo mais do que precisa, logo,
até vão acreditar que podem ser deputados ou até mesmo Imperadores.
- Talvez deputados! – disse Pedro II. – Não se descuide, mas,
Imperadores..., jamais!
Pouco tempo depois dessa conversa, aconteceu o golpe militar que
proclamou a republica. Basta lembrar que esse pensamento do tal conde ou barão,
foi mantido e hoje o PT incomoda muito. Foi eleito um presidente vindo do povo.
Naquela época, como agora, o método era o mesmo. Isso ocorreu durante
toda a existência da política brasileira. Eles mantinham ideologicamente a
ignorância do povo. Faziam terror jornalístico em forma de boatos de falcatruas
e algumas vezes deixavam passar para publicação. Assim ganhavam duas
vezes, destruíam opositores ou rivais e ainda de quebra, afastavam deles o povo
que apenas sacudia a cabeça concordando com tudo que não entendiam.
A imprensa sempre esteve nas mãos da elite dominante embora nem sempre
escrita por eles, por isso mesmo, o povo se iludia. Quando o jornal falava, a
verdade estava ali consignada para sempre. Um desmentido, nem era notado já que
a sua publicação não produzia efeito, sem alarde e sem um destaque com a mesma
importância da denuncia.
O povo, com a sua honestidade latente, ficava indignado e torcia o
nariz. Na outra ponta dessa honestidade havia o interesse pessoal e quase todo
mundo queria se aproveitar dos políticos para tentar lamber um pouco dessa
gosma nojenta e lucrativa que os enriquecia. Vendiam suas almas sem qualquer
constrangimento.
“Todo mundo rouba!” diziam quando eram cobrados pelos que não
concordavam com esse ato aproveitador ou não foram chamados para participarem.
Dessa maneira, ficava muito difícil ser honesto de verdade. Só por uma
defesa ideológica, os chamados de “Otários” se mantinham longe dessa tentação.
Mudou alguma coisa? O que acontece nos dias de hoje?
#FORATEMER!